Lucas Mafaldo escreve um belo resumo sobre as duas liberdades, negativa e positiva. Costuma-se falar também em direitos positivos, mas aí convém tomar cuidado para não se confundir com direito positivo (normas jurídicas objetivas vigentes). Eis o texto:
Hoje tentarei explicar a distinção entre dois tipos de liberdade, proposta por Isaiah Berlin, influente professor de filosofia de Oxford.
Liberdade positiva e negativa
A idéia básica de Berlin é que existem dois tipos diferentes de liberdade: liberdade negativa e liberdade positiva.
Atenção: "negativa" e "positiva" aqui não têm valor de adjetivo; trata-se só de uma forma de separar os conceitos, não de dizer que uma liberdade é boa e a outra é ruim.
Bom, mas o que significam estes conceitos? Vamos à explicação.
Liberdade negativa é "ausência de coerção", ou seja: é ausência de barreiras que lhe impeçam de realizar algo.
Neste conceito cabem todas aquelas liberdades que existem por si mesmas – e que continuarão a existir desde que ninguém as tome de você.
A liberdade de expressão, portanto, é uma liberdade negativa. Para que ela exista, basta que não haja ninguém lhe impedindo de falar.
Outro exemplo é a liberdade de decidir sobre como utilizar sua propriedade. Você sempre a terá, e só a perderá se algum agente externo interferir sobre ela.
Por outro lado, liberdade positiva é "possibilidade de agir", ou seja, é a capacidade de realizar algo de fato.
Nem toda liberdade negativa implica em uma liberdade positiva. Se você tem o direito à propriedade, mas não possui uma propriedade, você não pode exercer seu direito.
A liberdade positiva, portanto, não existe por si mesma. Para que ela exista, é preciso que as condições para o seu exercício estejam presentes na realidade. Ou seja: a liberdade positiva tem um preço. Ela não existe de graça: alguém precisa criá-la
Isso precisa ser enfatizado: toda liberdade positiva tem um preço. Em outras palavras: a possibilidade de agir depende que alguém crie as condições para que a ação seja possível.
Alguns exemplos: a liberdade de ter um carro só pode existir quando alguém trabalhou para construir um carro. A liberdade de ter acesso a serviços médicos só existe por causa do trabalho dos próprios médicos.
Como a defesa da liberdade por resultar em menos liberdade
Como toda liberdade positiva possui um preço, quando ela é cristalizada em direito isto implica no surgimento de um novo dever. Afinal, se dissemos que "fulano tem direito a ter um carro", estamos implicitamente dizendo que "sicrano precisa arranjar um carro para fulano".
Do mesmo modo que todo direito que possui um custo implica em um novo dever, toda liberdade que possui um custo implica em uma nova obrigação.
Quando Berlin propôs essa distinção ele estava preocupado com a possibilidade da retórica pró-liberdade ser usada para diminuir a liberdade do povo.
Não há problema em reivindicar uma liberdade negativa, pois, no fim das contas, estamos apenas pedindo para ser deixados em paz para realizarmos nossos objetivos.
Mas reivindicar uma liberdade positiva é bem diferente, pois cada nova liberdade positiva criada implica em uma nova obrigação – e, portanto, em menos liberdade para quem tiver que arcar com seu custo.
Ou seja, cada pessoa que exige uma nova liberdade positiva está exigindo que a responsabilidade sobre sua liberdade seja colocada nos ombros de outra pessoa, que será forçada a pagar o preço dessa nova liberdade.
E a questão é: quem vai ficar com essa nova obrigação? Quem vai pagar o preço dessa nova liberdade?
Concluindo
Acredito que o direito de reclamar da perda de uma liberdade negativa é bastante razoável. Afinal, você está apenas exigindo que alguém saia do seu caminho. Você quer o direito de buscar seus próprios objetivos.
Reclamar da falta de determinada liberdade positiva, por outro lado, já não me parece nada razoável. Quem faz esse tipo de reivindicação está dizendo: "quero poder fazer algo, e quero que vocês criem as condições para que eu faça isso".
Reivindicar uma liberdade negativa é querer ser responsável por suas próprias escolhas. Reivindicar uma liberdade positiva é querer que os outros se responsabilizem por suas escolhas.
A diferença é sutil, mas é essencial.
Um complementozinho: a liberdade negativa é inclusive condição para que a liberdade positiva aconteça de forma justa, ou seja, sem que ninguém seja obrigado a pagar por ela. Assim, quanto mais liberdade negativa, mais os interesses se convergem e pela própria dinâmica da vida social, estes se mostrarão como incentivos à realização de coisas que serão uma liberdade positiva para alguém. Mas, se você não puder usar o que é seu do modo como melhor lhe convém, então pode ser que não possa plantar batatas que darão a alguém o direito de comê-las ou usá-las de um outro modo que lhe seja conveniente. Portanto, no fim das contas, quanto mais liberdade negativa real, mais a liberdade positiva potencial da sociedade se concretiza.
Hoje tentarei explicar a distinção entre dois tipos de liberdade, proposta por Isaiah Berlin, influente professor de filosofia de Oxford.
Liberdade positiva e negativa
A idéia básica de Berlin é que existem dois tipos diferentes de liberdade: liberdade negativa e liberdade positiva.
Atenção: "negativa" e "positiva" aqui não têm valor de adjetivo; trata-se só de uma forma de separar os conceitos, não de dizer que uma liberdade é boa e a outra é ruim.
Bom, mas o que significam estes conceitos? Vamos à explicação.
Liberdade negativa é "ausência de coerção", ou seja: é ausência de barreiras que lhe impeçam de realizar algo.
Neste conceito cabem todas aquelas liberdades que existem por si mesmas – e que continuarão a existir desde que ninguém as tome de você.
A liberdade de expressão, portanto, é uma liberdade negativa. Para que ela exista, basta que não haja ninguém lhe impedindo de falar.
Outro exemplo é a liberdade de decidir sobre como utilizar sua propriedade. Você sempre a terá, e só a perderá se algum agente externo interferir sobre ela.
Por outro lado, liberdade positiva é "possibilidade de agir", ou seja, é a capacidade de realizar algo de fato.
Nem toda liberdade negativa implica em uma liberdade positiva. Se você tem o direito à propriedade, mas não possui uma propriedade, você não pode exercer seu direito.
A liberdade positiva, portanto, não existe por si mesma. Para que ela exista, é preciso que as condições para o seu exercício estejam presentes na realidade. Ou seja: a liberdade positiva tem um preço. Ela não existe de graça: alguém precisa criá-la
Isso precisa ser enfatizado: toda liberdade positiva tem um preço. Em outras palavras: a possibilidade de agir depende que alguém crie as condições para que a ação seja possível.
Alguns exemplos: a liberdade de ter um carro só pode existir quando alguém trabalhou para construir um carro. A liberdade de ter acesso a serviços médicos só existe por causa do trabalho dos próprios médicos.
Como a defesa da liberdade por resultar em menos liberdade
Como toda liberdade positiva possui um preço, quando ela é cristalizada em direito isto implica no surgimento de um novo dever. Afinal, se dissemos que "fulano tem direito a ter um carro", estamos implicitamente dizendo que "sicrano precisa arranjar um carro para fulano".
Do mesmo modo que todo direito que possui um custo implica em um novo dever, toda liberdade que possui um custo implica em uma nova obrigação.
Quando Berlin propôs essa distinção ele estava preocupado com a possibilidade da retórica pró-liberdade ser usada para diminuir a liberdade do povo.
Não há problema em reivindicar uma liberdade negativa, pois, no fim das contas, estamos apenas pedindo para ser deixados em paz para realizarmos nossos objetivos.
Mas reivindicar uma liberdade positiva é bem diferente, pois cada nova liberdade positiva criada implica em uma nova obrigação – e, portanto, em menos liberdade para quem tiver que arcar com seu custo.
Ou seja, cada pessoa que exige uma nova liberdade positiva está exigindo que a responsabilidade sobre sua liberdade seja colocada nos ombros de outra pessoa, que será forçada a pagar o preço dessa nova liberdade.
E a questão é: quem vai ficar com essa nova obrigação? Quem vai pagar o preço dessa nova liberdade?
Concluindo
Acredito que o direito de reclamar da perda de uma liberdade negativa é bastante razoável. Afinal, você está apenas exigindo que alguém saia do seu caminho. Você quer o direito de buscar seus próprios objetivos.
Reclamar da falta de determinada liberdade positiva, por outro lado, já não me parece nada razoável. Quem faz esse tipo de reivindicação está dizendo: "quero poder fazer algo, e quero que vocês criem as condições para que eu faça isso".
Reivindicar uma liberdade negativa é querer ser responsável por suas próprias escolhas. Reivindicar uma liberdade positiva é querer que os outros se responsabilizem por suas escolhas.
A diferença é sutil, mas é essencial.
Um complementozinho: a liberdade negativa é inclusive condição para que a liberdade positiva aconteça de forma justa, ou seja, sem que ninguém seja obrigado a pagar por ela. Assim, quanto mais liberdade negativa, mais os interesses se convergem e pela própria dinâmica da vida social, estes se mostrarão como incentivos à realização de coisas que serão uma liberdade positiva para alguém. Mas, se você não puder usar o que é seu do modo como melhor lhe convém, então pode ser que não possa plantar batatas que darão a alguém o direito de comê-las ou usá-las de um outro modo que lhe seja conveniente. Portanto, no fim das contas, quanto mais liberdade negativa real, mais a liberdade positiva potencial da sociedade se concretiza.
3 comentários:
John, esse Isaiah Berlin me deixou confuso. :-) Estou sem saber se posso ser preso ou não.
Depende muito de quem você quer que te prenda.
Texto interessante e muitíssimo pertinente, considerando-se certas lutas e "conquistas" atuais(entre aspas porque não são de fato conquistas de uns, mas "benefícios" espalhados por outros com ares de grande benfeitor, à maneira de quem dá esmolas para ser admirado.
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