Um dotô diniversidá escreveu um artigo sobre a polêmica da pesquisa com células embrionárias. Foi publicado no JC e-mail, revista eletrônica da SBPC. O nome dele é Luis Carlos Lopes, professor de Comunicação na Universidade Federal Fluminense., historiador de formção. Como o escrito é um bom resumo das principais teses a favor da coisa, comenta-se a la Jack, difundindo modo usual das mailing lists. O texto do professor segue em colorido.
Ciências e valores humanos, artigo de Luís Carlos Lopes
Têm razão os que afirmam que ainda se vive na pré-história da humanidade. Prova disto é a imensa miséria material que ainda assola a maioria dos mortais, bem como a ignorância de muitos sobre os ‘mistérios’ da vida e do universo. Considerar a natureza e a vida humana como ‘mistérios’ sustentou e ainda sustenta os que querem que a maioria viva na obscuridade; que jamais saiam da caverna, enxergando a luz do sol. Para existir escravos, dominados e dominadas é preciso que lhes sejam sonegados o saber; que este não seja democratizado e acessível às maiorias.
Que raio de argumento é este? É apenas, claro, uma falácia ad hominen: ataca-se o interlocutor e não as idéias. Como se sabe, é preciso concordar com Hitler se ele diz que o céu é azul, porque, afinal, é verdade. Enfim, pouco importa quem diz o que, o que importa é se o que é dito é razoável ou não. Mas repare bem na última frase do parágrafo, volta-se a ela logo.
Na época do renascimento europeu, discutia-se o cosmos e a posição dos homens frente ao universo. Galileu foi condenado a abjurar, isto é negar o que disse, porque tinha provas que a Terra se movia. Seus juízes, como outros de outras épocas, quase nada entendiam das idéias do célebre cientista. O julgaram com base na religião, nos sensos comuns e na retórica de seus pseudos-conhecimentos.
O destino de Giordano Bruno foi mais cruel. Foi executado (1600), na fogueira do Vaticano, por acreditar que existiriam 'múltiplos mundos’ e que se poderia ser ‘radicalmente acadêmico de nenhuma academia’. Pensar contra a ordem, mesmo que poucos compreendessem o que brilhantes intelectuais produziam, podia ser fatal. Muitos foram perseguidos, humilhados, presos, deportados, torturados, executados simplesmente por terem idéias originais e imensa paixão pelo conhecimento.
Ciências e valores humanos, artigo de Luís Carlos Lopes
Têm razão os que afirmam que ainda se vive na pré-história da humanidade. Prova disto é a imensa miséria material que ainda assola a maioria dos mortais, bem como a ignorância de muitos sobre os ‘mistérios’ da vida e do universo. Considerar a natureza e a vida humana como ‘mistérios’ sustentou e ainda sustenta os que querem que a maioria viva na obscuridade; que jamais saiam da caverna, enxergando a luz do sol. Para existir escravos, dominados e dominadas é preciso que lhes sejam sonegados o saber; que este não seja democratizado e acessível às maiorias.
Que raio de argumento é este? É apenas, claro, uma falácia ad hominen: ataca-se o interlocutor e não as idéias. Como se sabe, é preciso concordar com Hitler se ele diz que o céu é azul, porque, afinal, é verdade. Enfim, pouco importa quem diz o que, o que importa é se o que é dito é razoável ou não. Mas repare bem na última frase do parágrafo, volta-se a ela logo.
Na época do renascimento europeu, discutia-se o cosmos e a posição dos homens frente ao universo. Galileu foi condenado a abjurar, isto é negar o que disse, porque tinha provas que a Terra se movia. Seus juízes, como outros de outras épocas, quase nada entendiam das idéias do célebre cientista. O julgaram com base na religião, nos sensos comuns e na retórica de seus pseudos-conhecimentos.
O destino de Giordano Bruno foi mais cruel. Foi executado (1600), na fogueira do Vaticano, por acreditar que existiriam 'múltiplos mundos’ e que se poderia ser ‘radicalmente acadêmico de nenhuma academia’. Pensar contra a ordem, mesmo que poucos compreendessem o que brilhantes intelectuais produziam, podia ser fatal. Muitos foram perseguidos, humilhados, presos, deportados, torturados, executados simplesmente por terem idéias originais e imensa paixão pelo conhecimento.
Mais ad hominen. Aqui se percebe uma defesa das idéias científicas e sua intocabilidade por quem não seja cientista, o que vem a ser uma falácia de autoridade. Claro, se um cientista disser que o céu é vermelho, nada poderá ser oposto...haja paciência. E ainda chama de pseudo-conhecimento os argumentos usados em ambos os casos, ocultando o fato de que Galileu não encontrou apoio em nenhum outro pensador de sua época, católico ou não, ele cometeu o que hoje se chama mudança de paradigma.
O curioso é que o autor faz uso da história, mas não conta que mudanças de paradigma sempre, prestem atenção, sempre são problemáticas e demoram a se estabelecer. Até hoje se encontra na comunidade científica quem não dê lá muito crédito à relatividade. Pior, fala de gente que foi perseguida, mas não fala de gente que foi sustentada para fazer ciência pelos mesmos algozes das duas figuras referidas. Por exemplo, aquele monge de nome Mendel, aqui e ali conhecido como pai da biologia moderna e responsável só pela base da genética. Monge Mendel, compreendem?
As revoluções industriais, liberais e a primeira descolonização (século XVIII e XIX) mudaram este procedimento. Os cientistas desta época não deixaram de ser perseguidos, mas dificilmente eram mortos, apenas por pensarem diferentemente do que estava estabelecido consensualmente pelo poder político e social. Obviamente, eles sobreviveram por estarem em locais que os protegiam. Se estivessem em outros, a história seria diferente. Grandes nomes, tais como Darwin, com sua teoria sobre a evolução das espécies e dos seres humanos, Marx, com sua teoria sobre o capitalismo, seu método filosófico e sua crítica política, Pasteur com sua nova biologia, tiveram imensos problemas.
Bem, um artigo que chama Marx de filósofo sem maiores explanações já revela muita coisa sobre o autor. Mas que seja. E haja imaginação para saber como é que essas tais revoluções mudaram o tal do procedimento. Bem, parece que ele quer dizer que a perda do poder político, a Igreja Católica (era dela que se fala no artigo, não?) parou de perseguir cientistas.
Foram admoestados, principalmente Marx, por ousar discutir a natureza da nova ordem estabelecida na Europa e no mundo de seu tempo. Apesar disto, puderam trabalhar e deixar uma herança que ainda hoje, mesmo com revisões e atualizações, nutre a imaginação científica, em seus domínios específicos.
Sim, claro, Marx foi deveras admoestado. Chegaram até a confiscar seus rendimentos na bolsa de valores inglesa, oriundos da bolsa do amigo Engels e de fortuna familiar. Cogitaram até de enforcá-lo, como se sabe. Ah, não é disto que se fala, mas de críticas? Eita,mas que doideira, a crítica pública não é uma das maiores virtudes da ciência? Não é assim que se obtém a credibilidade? Qual teoria científica neste mundo não sofreu pesadas críticas? Einstein infernizou a vida de Planck e seus seguidores.
Ao longo do século passado, o legado das ciências matemáticas, naturais e humanas foi desdobrado ao infinito. O cientista, agora um proletário especial, passou a produzir cada vez mais em equipe, atuando em laboratórios, universidades, governos e, até mesmo, em empresas.
Mas que legado enorme tem essa ciência: infinito. Um artigo laudatório não merece nenhuma credibilidade, nunca. O tom dos artigos científicos, ou seja, dos artigos com conteúdo científico, sempre é neutro, isento e com o charme de uma bula de remédios, justamente para se ficar só com o que interessa á ciência: fatos, dados, argumentos, conclusões. Predileções é o que mais se busca afastar na atividade científica.
E o cientista é um proletário especial. Ah, claro, não só ele é da categoria destinada a governar o mundo, segundo a profecia de São Marx, como é de uma ala especial. Obviamente, pessoas especiais devem ser tratadas especialmente. Logo, quando se der a ditadura do proletariado, eles deverão ser tratados especialmente. Como o autor do artigo é cientista, seria demais dizer que talvez esteja advogando em causa própria? Pouco importa.
A partir das origens e da maior universalização da ciência, as conquistas foram inúmeras. Muitas delas serviram para a expansão do poder de quem já o tinha. Outras aumentaram as possibilidades de vida das maiorias. Ainda outras, permitiram que se compreendessem melhor os problemas da natureza e da vida social. As ciências não servem a um único senhor, podem estar a serviço da humanidade ou militar contra a sobrevivência da espécie.
O cientista de hoje perdeu o romantismo dos seus antecessores de mais de um século atrás. Tanto podem estar querendo tirar os homens da caverna, como podem estar desenvolvendo artefatos que mantenham as sociedades na maior ignorância ou mesmo as destruam.
Até aí dá para dizer o mesmo de toda e qualquer atividade humana. Irrelevante.
O paradoxo da ciência foi claramente exposto nos acontecimentos de 1945. A explosão da bomba atômica, na verdade um experimento científico-político e militar, pôs a nu esta contradição. É preciso aplicar o princípio da vigilância democrática e humanista ao campo das teorias e das práticas científicas.
Então, algum tipo de controle da atividade científica é aceitável? Só não pode ser por gente de fora da ciência? Ué, que raio de controle é esse em que o controlado se confunde com o controlador?
O mais grave é sem dúvida o das práticas, pois nelas é que se podem desenvolver monstruosidades ou se operar ‘milagres’ humanistas. A própria experiência da bomba revelou que os cientistas, em sua maioria, reconhecem os seus erros e são capazes de fazer o possível, dentro de seus limites, para evitar outras catástrofes baseadas em seu saber.
Falar em milagre humanista é coisa curiosa, é mais ou menos como falar em milagre demoníaco. E o autor dá por certo que sendo humanista é bom. E isso num artigo cheio de referências históricas. Mas, vá lá, eventualmente humanista e humanitário estejam aí como sinônimos. Não são, mas que seja, por ora.
A ciência e os cientistas não estão acima do bem e do mal. É possível discutir seus empreendimentos e verificar a pertinência dos mesmos no que se refere aos interesses da humanidade. Até aí, não há o que objetar.
Ok. Bem, nem tão ok, assim, afinal sempre resta o problema de saber quem fala em nome da humanidade.
O que é inaceitável é, por exemplo, impedir o ensino da teoria da evolução nas escolas, sob o pretexto da ofensa à tradição religiosa. Interditar o avanço para as mulheres que o aborto provocou comprovadamente pelo mundo afora. Questionar a pesquisa de células-tronco com base nos mesmos velhos preconceitos religiosos, que tanto prejuízos trouxeram à humanidade.
Que avanço o aborto provocou para as mulheres mundo afora? O aborto melhorou salários? Curou doenças? Aumentou a expectativa de vida? Noves fora poder engravidar sem se preocupar com as conseqüências, que outro benefício as mulheres ganharam com o aborto? Do assunto ensino da teoria da evolução, fala-se logo abaixo.
Obviamente, os religiosos têm o direito a ter suas idéias, mas elas não podem ser impostas ao conjunto da sociedade e a domínios que as religiões não compreendem.
E se a gente resolver usar o mesmo argumento contra a ciência, ele é válido?
A argumentação religiosa deve ser respeitada, como qualquer outro tipo de argumentação, dentro dos seus limites. Imagine-se, se vamos voltar ao passado, quando a última palavra ‘científica’ era da autoridade eclesiástica. Qualquer hora se estará reacendendo as fogueiras da Inquisição. Todos têm o direito à palavra, porém é preciso delimitar espaços e privilegiar a inteligência frente ao monstro da ignorância.
Cientistas são ignorantes em matéria religiosa e filosófica, logo, são ignorantes em matéria ética, logo, segundo os termos do próprio artigo, devem calar a boca em matérias éticas.
Os que julgaram Galileu e Bruno quase nada entendiam de suas ciências. Os julgaram a partir da tradição e dos sensos comuns. Fizeram a mesma coisa, os que condenaram e ainda condenam radicalmente, Darwin, Pasteur, Marx e muitos outros.
Mais falácia de autoridade. E quem entendia bem pra chuchu de ciência eram os marxistas soviéticos que proibiram o ensino da teoria da evolução ao argumento de que ela era capitalista por pregar a competitividade. Mas isto é só provocação. O que pega mesmo é que novamente se advoga que apenas cientistas possam criticar cientistas.
Os que julgam e repelem os que pensam na atual fase da modernidade, não procedem de modo diverso. A luta argumentativa para se validar tem que ir além dos limites da tradição e dos sensos comuns.
Só há um jeito de “lutar argumentativamente”: com a lógica, aquela que rejeita contradições e repele falácias. Fora disto, defender tal ou qual fato ou é diversão ou é política, é defesa de visão de mundo, de projeto de poder.
As idéias precisam ser debatidas para avançarem e não impedidas de circular.
Qual idéia a respeito das pesquisas com células embrionárias é impedida de circular? Mas de novo essa coisa de confundir crítica pública com repressão? Debater sem discordar não é debater, é propagar, se não for propagandear.
A pesquisa só funciona se tiver liberdade de ação e profundo sentido ético. A ética da pesquisa não pode se fundamentar em dogmas das tradições e, sim, na validade social do experimento. Se a pesquisa sobre as células-tronco pode salvar vidas é ridículo tentar objetar o seu caminho.
Um artigo repleto de história termina com uma pérola dessas. No texto, falou-se que quem não é de ciência não pode criticar os cientistas, porque os críticos não sabem do que falam. Bem, a supor que ainda valha alguma coisa nesse mundo, por questão de coerência, quem nada sabe sobre ética, também não pode falar sobre a mesma, logo, os cientistas, na condição de cientistas, não podem falar sobre ética porque não a estudam. Levando isto a termo, que vem a ser uma falácia de autoridade, obviamente não se pode esperar que quem não entenda de ciência venha a defendê-la, o que, obviamente, torna os ministros do STF incompetentes para a missão. Dando um passo adiante, só poderia falar sobre este específico assunto quem dele entende, o que não parece ser o caso do autor, seja pela absoluta ausência de questões relativas à biologia, seja pelo seu currículo Lattes (necas de biologia, epistemologia, filosofia da ciência, história da ciência...). Se quem nada entende de biologia pode defendê-la, por que quem não entende não pode criticá-la?
Validade social? O que significa isto? Utilidade? Ou conformidade com o projeto vigente?
Apesar de tanta história, não se falou uma linha sobre o fato de a medicina moderna dever as calças às barbáries nazistas. Ou seja, de tanto sofrimento nasceu muita coisa boa. É disto que se trata, então? E olhe que a medicina é fato consumado, não mera probabilidade. Aliás, cadê um só benefício concreto das pesquisas com células embrionárias? Ou ao menos uma só previsão factível? Nada, defende-se a pesquisa apenas pelo ato de pesquisar. É duma obviedade atroz, portanto inócua ao debate, que conhecimento pode gerar coisas boas. Esta não é a questão, nem de longe. O que se pretende com essa tentativa de invalidar os argumentos religiosos? Deixar de ouvir bons argumentos só porque emitidos por fulano ou sicrano? Ou porque não convém a uma dada ideologia?
Há bons argumentos em favor da liberdade de pesquisa científica e das pesquisas com células embrionárias. Nenhum deles consta do artigo, que, ao fim, é só mais uma peça de propaganda. Que mais dizer dum texto repleto de contradições e omissões relevantes ao debate?
E que dizer da criatividade, essa mola mestra do progresso? Ora, se o cientista, por qualquer razão, não pode utilizar uma dada linha de pesquisa, poderá usar outra, especialmente em se tratando de tecnologia, que vem a ser o que se discute em se tratando de pesquisas com células embrionárias, já que a ciência básica já foi feita, aliás, só existe em razão do tal monge católico.
Sim, desse mato sai cachorro, mas não por esse caminho.
Lembrete: Pasteur era cristão devoto.
O curioso é que o autor faz uso da história, mas não conta que mudanças de paradigma sempre, prestem atenção, sempre são problemáticas e demoram a se estabelecer. Até hoje se encontra na comunidade científica quem não dê lá muito crédito à relatividade. Pior, fala de gente que foi perseguida, mas não fala de gente que foi sustentada para fazer ciência pelos mesmos algozes das duas figuras referidas. Por exemplo, aquele monge de nome Mendel, aqui e ali conhecido como pai da biologia moderna e responsável só pela base da genética. Monge Mendel, compreendem?
As revoluções industriais, liberais e a primeira descolonização (século XVIII e XIX) mudaram este procedimento. Os cientistas desta época não deixaram de ser perseguidos, mas dificilmente eram mortos, apenas por pensarem diferentemente do que estava estabelecido consensualmente pelo poder político e social. Obviamente, eles sobreviveram por estarem em locais que os protegiam. Se estivessem em outros, a história seria diferente. Grandes nomes, tais como Darwin, com sua teoria sobre a evolução das espécies e dos seres humanos, Marx, com sua teoria sobre o capitalismo, seu método filosófico e sua crítica política, Pasteur com sua nova biologia, tiveram imensos problemas.
Bem, um artigo que chama Marx de filósofo sem maiores explanações já revela muita coisa sobre o autor. Mas que seja. E haja imaginação para saber como é que essas tais revoluções mudaram o tal do procedimento. Bem, parece que ele quer dizer que a perda do poder político, a Igreja Católica (era dela que se fala no artigo, não?) parou de perseguir cientistas.
Foram admoestados, principalmente Marx, por ousar discutir a natureza da nova ordem estabelecida na Europa e no mundo de seu tempo. Apesar disto, puderam trabalhar e deixar uma herança que ainda hoje, mesmo com revisões e atualizações, nutre a imaginação científica, em seus domínios específicos.
Sim, claro, Marx foi deveras admoestado. Chegaram até a confiscar seus rendimentos na bolsa de valores inglesa, oriundos da bolsa do amigo Engels e de fortuna familiar. Cogitaram até de enforcá-lo, como se sabe. Ah, não é disto que se fala, mas de críticas? Eita,mas que doideira, a crítica pública não é uma das maiores virtudes da ciência? Não é assim que se obtém a credibilidade? Qual teoria científica neste mundo não sofreu pesadas críticas? Einstein infernizou a vida de Planck e seus seguidores.
Ao longo do século passado, o legado das ciências matemáticas, naturais e humanas foi desdobrado ao infinito. O cientista, agora um proletário especial, passou a produzir cada vez mais em equipe, atuando em laboratórios, universidades, governos e, até mesmo, em empresas.
Mas que legado enorme tem essa ciência: infinito. Um artigo laudatório não merece nenhuma credibilidade, nunca. O tom dos artigos científicos, ou seja, dos artigos com conteúdo científico, sempre é neutro, isento e com o charme de uma bula de remédios, justamente para se ficar só com o que interessa á ciência: fatos, dados, argumentos, conclusões. Predileções é o que mais se busca afastar na atividade científica.
E o cientista é um proletário especial. Ah, claro, não só ele é da categoria destinada a governar o mundo, segundo a profecia de São Marx, como é de uma ala especial. Obviamente, pessoas especiais devem ser tratadas especialmente. Logo, quando se der a ditadura do proletariado, eles deverão ser tratados especialmente. Como o autor do artigo é cientista, seria demais dizer que talvez esteja advogando em causa própria? Pouco importa.
A partir das origens e da maior universalização da ciência, as conquistas foram inúmeras. Muitas delas serviram para a expansão do poder de quem já o tinha. Outras aumentaram as possibilidades de vida das maiorias. Ainda outras, permitiram que se compreendessem melhor os problemas da natureza e da vida social. As ciências não servem a um único senhor, podem estar a serviço da humanidade ou militar contra a sobrevivência da espécie.
O cientista de hoje perdeu o romantismo dos seus antecessores de mais de um século atrás. Tanto podem estar querendo tirar os homens da caverna, como podem estar desenvolvendo artefatos que mantenham as sociedades na maior ignorância ou mesmo as destruam.
Até aí dá para dizer o mesmo de toda e qualquer atividade humana. Irrelevante.
O paradoxo da ciência foi claramente exposto nos acontecimentos de 1945. A explosão da bomba atômica, na verdade um experimento científico-político e militar, pôs a nu esta contradição. É preciso aplicar o princípio da vigilância democrática e humanista ao campo das teorias e das práticas científicas.
Então, algum tipo de controle da atividade científica é aceitável? Só não pode ser por gente de fora da ciência? Ué, que raio de controle é esse em que o controlado se confunde com o controlador?
O mais grave é sem dúvida o das práticas, pois nelas é que se podem desenvolver monstruosidades ou se operar ‘milagres’ humanistas. A própria experiência da bomba revelou que os cientistas, em sua maioria, reconhecem os seus erros e são capazes de fazer o possível, dentro de seus limites, para evitar outras catástrofes baseadas em seu saber.
Falar em milagre humanista é coisa curiosa, é mais ou menos como falar em milagre demoníaco. E o autor dá por certo que sendo humanista é bom. E isso num artigo cheio de referências históricas. Mas, vá lá, eventualmente humanista e humanitário estejam aí como sinônimos. Não são, mas que seja, por ora.
A ciência e os cientistas não estão acima do bem e do mal. É possível discutir seus empreendimentos e verificar a pertinência dos mesmos no que se refere aos interesses da humanidade. Até aí, não há o que objetar.
Ok. Bem, nem tão ok, assim, afinal sempre resta o problema de saber quem fala em nome da humanidade.
O que é inaceitável é, por exemplo, impedir o ensino da teoria da evolução nas escolas, sob o pretexto da ofensa à tradição religiosa. Interditar o avanço para as mulheres que o aborto provocou comprovadamente pelo mundo afora. Questionar a pesquisa de células-tronco com base nos mesmos velhos preconceitos religiosos, que tanto prejuízos trouxeram à humanidade.
Que avanço o aborto provocou para as mulheres mundo afora? O aborto melhorou salários? Curou doenças? Aumentou a expectativa de vida? Noves fora poder engravidar sem se preocupar com as conseqüências, que outro benefício as mulheres ganharam com o aborto? Do assunto ensino da teoria da evolução, fala-se logo abaixo.
Obviamente, os religiosos têm o direito a ter suas idéias, mas elas não podem ser impostas ao conjunto da sociedade e a domínios que as religiões não compreendem.
E se a gente resolver usar o mesmo argumento contra a ciência, ele é válido?
A argumentação religiosa deve ser respeitada, como qualquer outro tipo de argumentação, dentro dos seus limites. Imagine-se, se vamos voltar ao passado, quando a última palavra ‘científica’ era da autoridade eclesiástica. Qualquer hora se estará reacendendo as fogueiras da Inquisição. Todos têm o direito à palavra, porém é preciso delimitar espaços e privilegiar a inteligência frente ao monstro da ignorância.
Cientistas são ignorantes em matéria religiosa e filosófica, logo, são ignorantes em matéria ética, logo, segundo os termos do próprio artigo, devem calar a boca em matérias éticas.
Os que julgaram Galileu e Bruno quase nada entendiam de suas ciências. Os julgaram a partir da tradição e dos sensos comuns. Fizeram a mesma coisa, os que condenaram e ainda condenam radicalmente, Darwin, Pasteur, Marx e muitos outros.
Mais falácia de autoridade. E quem entendia bem pra chuchu de ciência eram os marxistas soviéticos que proibiram o ensino da teoria da evolução ao argumento de que ela era capitalista por pregar a competitividade. Mas isto é só provocação. O que pega mesmo é que novamente se advoga que apenas cientistas possam criticar cientistas.
Os que julgam e repelem os que pensam na atual fase da modernidade, não procedem de modo diverso. A luta argumentativa para se validar tem que ir além dos limites da tradição e dos sensos comuns.
Só há um jeito de “lutar argumentativamente”: com a lógica, aquela que rejeita contradições e repele falácias. Fora disto, defender tal ou qual fato ou é diversão ou é política, é defesa de visão de mundo, de projeto de poder.
As idéias precisam ser debatidas para avançarem e não impedidas de circular.
Qual idéia a respeito das pesquisas com células embrionárias é impedida de circular? Mas de novo essa coisa de confundir crítica pública com repressão? Debater sem discordar não é debater, é propagar, se não for propagandear.
A pesquisa só funciona se tiver liberdade de ação e profundo sentido ético. A ética da pesquisa não pode se fundamentar em dogmas das tradições e, sim, na validade social do experimento. Se a pesquisa sobre as células-tronco pode salvar vidas é ridículo tentar objetar o seu caminho.
Um artigo repleto de história termina com uma pérola dessas. No texto, falou-se que quem não é de ciência não pode criticar os cientistas, porque os críticos não sabem do que falam. Bem, a supor que ainda valha alguma coisa nesse mundo, por questão de coerência, quem nada sabe sobre ética, também não pode falar sobre a mesma, logo, os cientistas, na condição de cientistas, não podem falar sobre ética porque não a estudam. Levando isto a termo, que vem a ser uma falácia de autoridade, obviamente não se pode esperar que quem não entenda de ciência venha a defendê-la, o que, obviamente, torna os ministros do STF incompetentes para a missão. Dando um passo adiante, só poderia falar sobre este específico assunto quem dele entende, o que não parece ser o caso do autor, seja pela absoluta ausência de questões relativas à biologia, seja pelo seu currículo Lattes (necas de biologia, epistemologia, filosofia da ciência, história da ciência...). Se quem nada entende de biologia pode defendê-la, por que quem não entende não pode criticá-la?
Validade social? O que significa isto? Utilidade? Ou conformidade com o projeto vigente?
Apesar de tanta história, não se falou uma linha sobre o fato de a medicina moderna dever as calças às barbáries nazistas. Ou seja, de tanto sofrimento nasceu muita coisa boa. É disto que se trata, então? E olhe que a medicina é fato consumado, não mera probabilidade. Aliás, cadê um só benefício concreto das pesquisas com células embrionárias? Ou ao menos uma só previsão factível? Nada, defende-se a pesquisa apenas pelo ato de pesquisar. É duma obviedade atroz, portanto inócua ao debate, que conhecimento pode gerar coisas boas. Esta não é a questão, nem de longe. O que se pretende com essa tentativa de invalidar os argumentos religiosos? Deixar de ouvir bons argumentos só porque emitidos por fulano ou sicrano? Ou porque não convém a uma dada ideologia?
Há bons argumentos em favor da liberdade de pesquisa científica e das pesquisas com células embrionárias. Nenhum deles consta do artigo, que, ao fim, é só mais uma peça de propaganda. Que mais dizer dum texto repleto de contradições e omissões relevantes ao debate?
E que dizer da criatividade, essa mola mestra do progresso? Ora, se o cientista, por qualquer razão, não pode utilizar uma dada linha de pesquisa, poderá usar outra, especialmente em se tratando de tecnologia, que vem a ser o que se discute em se tratando de pesquisas com células embrionárias, já que a ciência básica já foi feita, aliás, só existe em razão do tal monge católico.
Sim, desse mato sai cachorro, mas não por esse caminho.
Lembrete: Pasteur era cristão devoto.
Um comentário:
:-))) JC, estou vendo tudo ver por aqui. O que está havendo? :-) Anota meu Messenger liciniomedeiros@msn.com
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